quarta-feira, 30 de março de 2016

Comentário Sobre o Impedimento da Presidente (Mar/16)

Esse lance de canalhice tão despudorado do PMDB não me parece que irá passar impunemente nem à esquerda, das marchas do dia 31; nem à direita, das marchas amarelas com patinhos de borracha (que me perdoem a simplificação... ao fim e ao cabo, me parecem demasiado semelhantes ambos os pólos dessa falsa polarização de, fundamentalmente, ressentidos). Estão ofendendo a inteligência. Nem a maior manifestação da estupidez política poderia se sentir confortável nesse momento... ou ainda estou sendo ingênuo? 

Pode ser uma janela que a história abre para sepultar esse cadáver, o PMDB. Não tão simples quanto parece, pois, objetivamente, o PMDB é o maior partido do Brasil, com o maior número de filiados - a figura do "despolitizado", "desinteressado", que age em prol do "interesse do povo brasileiro", que não é nem de direita nem de esquerda, que é "apartidário" (o PMDB é o partido, em stricto sensu, de toda massa de apartidários) é a máscara do PMDB - observemos seus líderes: são ligados às oligarquias agrárias, mas não apenas; são os grandes operadores históricos, isso sim, das máquinas burocráticas do Estado brasileiro (desnecessário afirmar a conexão genealógica, o parentesco mesmo entre estes últimos dois grupos); em termos simples: é a manifestação da burocracia corrupta e absolutamente desprovida de lógica encarnada na gestão dos serviços públicos e empresas estatais do Brasil, todo ele. Eduardo Cunha, um desprezível rato que há décadas parasitando a burocracia do Rio, chegou, mafioso de esquina que é e sempre foi, à presidência da Câmara dos Deputados, é o melhor exemplo que temos no momento. 

Desconfio que todo nosso edifício burocrático, todo nosso sistema legal cartorial, regimes jurídicos (privilégios de classe e de determinadas categorias) e et coetera., ruiriam junto com a ruína do PMDB; com a ruína da lógica do PMDBismo - modelo de financiamento político, presidencialismo de coalisão, etc. Uma pista que aponta para o apoio da OAB ao impedimento da Presidente - sem mesmo a definição ainda de um crime de responsabilidade... 

Do lado do PT - que, tivesse honra (e já nos deu infindáveis provas que não a tem), renunciaria e pediria eleições antecipadas ao TSE; tivesse orgulho do tiro-pela-culatra que é a Dilma, faria um arranjo de governo petista puro-sangue com os seus escudeiros (eles existem?) até o último trâmite do impeachment - há quem queira ainda - e haja fé! - manter as alianças, suportar as "correlações de forças" até o limite do irreal; há quem queira um PT ainda mais canalha e servil para que, encenando mudanças, tudo permaneça como está. Pois, temem (temer: é este o verbo que, para tragédia da nação, anda mobilizando...) que o arranjo sob sua tutela se dobre ainda mais "à direita". Como disse, é pura questão de fé: nada tem menos lastro na realidade, uma vez que o governo já enviou quarta-feira ao congresso proposta indecente de destruição do serviço público, rechaçado até pela CUT (Projeto de Lei Complementar (PLP) 257/2016); apesar de ser a mais antiga mentira contada pelo petismo à classe trabalhadora, e de correr mesmo o risco de se tornar verdade - não pelo fato de o PT ter algo de "esquerda"; sobretudo porque não durará no governo tempo o suficiente para destruir o que ainda há de direitos trabalhistas. Quarta-feira: que falta de timing! Que falta de honra, que falta de orgulho! 

[O PT - e uso "PT" quase sempre de modo abrangente - padece do preconceito ou age de má-fé: para eles, o problema do serviço público são os "direitos demais" dos trabalhadores. Ora, que venham ser professores no meu lugar!]

No fim das contas, tudo será como é e sempre foi: o PT fará o que puder para manter sob a sua tutela a destruição das condições econômicas da classe trabalhadora do Brasil, a adulação do capital financeiro e do latifúndio. 

As questões do impedimento ou não da Dilma, para mim, já não importam tanto... Que venha o governo golpista pós-Dilma. Tudo ficará ainda mais divertido!

segunda-feira, 21 de março de 2016

Um Recanto do Bosque

Naquele mesmo inferninho sujo de sempre, eles se despem com a lentidão que o hábito traz e, enquanto ele toca-a suavemente, deslizando as costas da mão no seu rosto; seu olhar por todo seu corpo, ele diz:

- Como a natureza pode ter sido tão generosa com um ser humano..! 

Ela responde, envaidecida: 

- Obrigada, gato!

Ele pensa consigo: 

"Você é mesmo muito linda e meus anseios, desejos e sonhos quase caberiam todos no seu corpo, despendesse eu um tanto de esforço mas eu estava falando de mim!"
Inferninho sujo? Que estou eu dizendo?! Estava falando de um recanto do bosque!

terça-feira, 15 de março de 2016

"Amor": Máscara Mortuária

Em determinadas épocas de nossas vidas, em determinados contextos, tudo aquilo a que chamamos de amor adquire o aspecto de uma máscara mortuária: uma arte feita com o mais nobre material dentre os quais não faltam muitas cores - mas, que, na verdade, esconde um cadáver. Seria preciso crer na vida eterna - mais ainda, querer conservar aquilo que, feito com paixão de artista, por dentro apodrece embebido em essências - para querer amor de tal espécie por perto. Melhor seria vê-lo num museu! A fênix, que prefere morrer para nascer de novo a viver eternamente, perece dentre a sua mirra. Assim é meu amor: uma fênix - meu amor por mim.

Há tantos enganos correntes acerca da antiguidade, com efeito, acerca da humanidade superior... Os grandes imperadores, os mais nobres dentre eles, um Alexandre da Macedônia, por exemplo, eles perguntariam: "Monogamia, o que é isso?" e se apavorariam e se enojariam da descrição desse contrato entre o rebanho de ressentidos, dessa celebração mútua da escravidão ser elevada à condição de ideal - coisa que, por sorte do acaso, por enquanto ainda não está em franco desuso. "Ciúme, o que seria?", questionariam a si mesmos e se prostrariam e rangeriam os dentes contra aquela visão asquerosa que ofende o seu bom gosto, pois, para eles - para nós - o que poderíamos chamar de "ciúme" é um teatro, um ritual simbólico para denotar o nosso poder, a nossa propriedade e é sempre um charme, ou seja, uma potência de afetos alegres, nunca uma cobrança, uma ameaça violenta encharcada em afetos tristes.

É provável que a existência dos haréns de cortesãs dos imperadores não fossem devido à sua lascívia descontrolada - pelo contrário! Minha tese é a de que seu gosto era tão apurado, tão refinado, que nas noites mais exigentes seu apetite não se abriria mesmo no mais completo dos banquetes; seu olfato não se agradaria mesmo no mais repleto jardim; e mesmo as suas cortesãs talvez carregassem alguma má-consciência quando a corte que lhe faziam não era bem sucedida. Como bem dissera alguém por aí: a parte hipossuficiente de uma relação erótica é a do seduzido. Com efeito, um ser que se basta a si mesmo, hipersuficiente de si e para si - como se agradar com qualquer ludibriar dos sentidos, como se permitir arrastar por cães selvagens..?

"E quanto as imperatrizes, como suportavam a ideia de habitar o mesmo palácio que as cortesãs?" - Assim se embasbaca o rebanho. A mulher superior é aquela que plena de si, pois que plena dos afetos da humanidade superior, tem conteúdo e referencial próprio quanto a ser e estar no mundo, é também uma artista e uma filósofa e, mais ainda, domina as artes do bem viver - da inocente persuasão de uma Psiquê (o que difere e diverge frontalmente da sedução de uma Afrodite ou de uma Medusa), não sabe o que é ciúme ou o ódio, não compreende o que por aqui, por hoje, se chama de amor, pois, aquela entrega entre dois espíritos apaixonados, aquele compromisso com a elevação de si mesmo e do outro, aquela obediente servidão de boa vontade... - essa é a virtude da nobreza: o bem servir -, como dar outro nome a tudo isso que não amor? Desnecessário recordar Zaratustra: a virtude do escravo é que é a revolta... Deveras, ainda não vim a ter com uma única mulher superior na vida. Devo estar impregnado com o cheiro do rebanho, logo, não as condeno por se esquivarem de mim - supondo que elas realmente existam...

Recentemente tivemos um crime passional que decerto imprimiu um alto relevo na comunidade da Universidade de Brasília, minha alma mater... um impotente qualquer - qualquer? Não, dá pior espécie: cheio de orgulho - que ceifou a vida de uma jovem por, no fim das contas e em uma única palavra: ressentimento. Pouca coisa pode ser mais exemplar, por extremado, daquilo que eu venho comentando sobre o rebanho de ressentidos, a sua irremediável impotência diante da vida, que cria monstros, neste caso, quanto aos relacionamentos de intimidade afetiva-erótica. Não à toa somos provavelmente uma das gerações mais afetivamente frustradas que já pisou por sobre a Terra.

Uma última palavra: há dentre os hodiernos quem não goste do termo "crime passional", pois, simplórios, julgam que o "passional" está atrelado a amor - são moralistas da linguagem, nada mais. Não devem ter passado perto de Espinosa. Logo eles, ou elas, esperneando "pára-que-tá-feio!" ou "apenas-melhore!" ou "todo-homem-é-um-estuprador-em-potencial!", enfim, que tanto se mobilizam por paixões tristes!