terça-feira, 14 de junho de 2011

O que se quer com um mito? Ou os 83 anos de vida de Ernesto "Che" Guevara

E digo vida, pois, morto em 67 na selva boliviana, Che Guevara é uma figura que permanece latente no insconsciente coletivo de todo o povo latino-americano que ousa lutar. Figura esta que, pela lente de Alberto Korda, rodou o mundo no que restava de século XX, sendo considerada pelo Maryland Institute College of Art a fotografia mais famosa de toda a história da humanidade.

No âmbito do concreto, o revolucionário nascido argentino, cidadão do mundo, porém, jogou talvez o mais importante papel na revolução de 59: o de torná-la lenda. Ministro do Trabalho em Cuba, Guevara abandona a ilha para levar consigo a chama da revolução para outros povos. Tentou articular a luta no Congo, onde fracassou e, posteriormente, na Bolívia, onde virou história, pelas mãos dos agentes da CIA.

Da mesma forma que icônico, é protagonista de polêmicas ainda hoje. É chamado de assassino pelos herdeiros das elites sanguessugas que, secularmente privilegiadas, viu ascender nas últimas décadas do século passado inúmeros movimentos de esquerda em toda a América Latina que buscavam, de alguma forma, romper com a histórica desigualdade nos Estados burgueses instituidos de forma excepcionalmente opressora e violenta (em relação aos Estados europeus, digo), a custa de muito sangue escravo indígena e africano. Diz-se da perseguição aos homossexuais em Cuba, acusados de "contra-revolução" e mandados a campos de trabalhos forçados. Quanto a este último ponto, Fidel Castro assumiu a totalidade da culpa em entrevista recente ao La Jornada, aqui.

O que fica da experiência de Cuba e do mito revolucionário é a lição que se tenta aprender nas esquerdas contemporâneas: Revolução não se faz apenas com armas, discursos e economia, mesmo com muita boa vontade. Pelo contrário, só se poderá falar de revolução daqui em diante quando se firmar outro contrato social entre os seres humanos que leve a sociedade a outro nível civilizatório, baseado na cooperação entre os povos e não na sua superexploração para o benefício de poucos. Uma outra mentalidade que ressignifique conceitos como desenvolvimento, sociedade e nação. A nossa pátria há de ser uma só: A humanidade.

Deixo aqui - como certa forma de homenagem pelo 83º aniversário de Che e para lembrarmos que nosso papel no mundo não há de ser apenas o existir não-contestatório, consumidores do modelo de vida imposto - uma canção que eu compus ano passado, onde cito uma passagem de um artigo do próprio Che Guevara, de 1965. A canção se chama "O que se quer" e o artigo é "El socialismo y el hombre en Cuba", que conheci por meio de uma publicação que ganhei de presente da minha avó em 2007, uma revista com vários artigos sobre a revolução, a história de vida de Ernesto e alguns de seus escritos. É um artigo famoso, está em todo o lugar da internet. Coloco aqui uma fonte, digamos, confiável.


"Déjeme decirle, a riesgo de parecer ridículo, que el revolucionario verdadero está guiado por grandes sentimientos de amor. Es imposible pensar en un revolucionario auténtico sin esta cualidad. Quizás sea uno de los grandes dramas del dirigente; éste debe unir a un espíritu apasionado una mente fría y tomar decisiones dolorosas son que se contraiga un músculo."

Ernesto "Che" Guevara
(1928-1967)


O Que Se Quer
(Juliano Berquó)

Sou eu quem acredita na força da palavra
E ao cair em contradição, a minha própria mão,
Navalha que me corta,
Será a juíza da minha conduta torta.
É preciso estar frio e escolher entre a dor
No risco de soar ridículo, eu digo
É preciso estar convicto do amor.

Sou eu quem acredita na força do poema
O dilema da escrita
Sou eu quem acredita
E a palavra se afirma
Com a força da caneta
Sou eu quem a despista
E a rima se apresenta
E se rabisca
Em qualquer letra.

Cante enquanto pode, antes que seja tarde,
Cante e te afaste da escuridão
Escreva enquanto há mão que te oriente
Escreva são e observe.
Verse enquanto houver
Poesia que sustente,
Pois, mesmo sem a flor
Há a semente.

Não vou causar o estrago
Nem serei escravo de mim mesmo
Não vou seguir tais passos
Nem deixarei meus rastros
Pelo meio do caminho
Não vou comprar o plástico
E com os pés descalços
Eu mergulho e o rio é limpo.

Sou eu quem acredita no peso do ar
E, se me der na telha, vou meditar no Tibet
(que é onde estou agora)
E vou embora assim que alçar vôo.

Sou eu? Quem é o poeta,
Senhor destas linhas?
Quem está onde estão as poesias?

No silêncio entre as linhas
E na sombra sob as línguas
E nas nuvens sob o céu... da boca
Entre os troncos retorcidos
Entre as folhas sobre o chão
No não e no gemido,
Estão todas as palavras que eu busco
O refúgio que alcanço
Por meu suor

Sou eu quem acredita na palavra por ser dita
Escondida na entranha da garganta
E não adianta reclamar se a palavra é repetida
Pois, ainda que esta seja, está despida.
Sou eu quem acredita, e ainda tenho fé
Pois, tudo é o que é e haverá de ser
O que se quer.


¡Hasta siempre!
Juliano Berquó.